Cannabis e a esclerose multipla

Os neurónios, células do sistema nervoso, estão encarregues da transmissão de informação aos distintos órgãos do corpo, quase que como cabos de um circuito eléctrico por onde se propaga a electricidade. Do mesmo modo que esses cabos são revestidos de um material isolante que os protege do exterior, assegurando a transmissão eléctrica, os neurónios estão cobertos por uma substância protectora denominada mielina, que garante o seu bom desempenho. O problema ocorre quando a mielina é destruída.

A esclerose múltipla é uma doença caracterizada por uma desconstrução de parte da mielina dos neurónios, fazendo com que o impluso nervoso apresente dificuldades aquando da passagem nas zonas danificadas. É de  causa desconhecida, com possível etiologia auto-imune (ou seja, o corpo reconhece a mielina como sendo uma sustância estranha e destroí-a). Os sintomas apresentados pelos pacientes são diversos, dependendo da região nervosa afectada. A fadiga é o mais frequente (95%), seguido de problemas de equilíbrio (84%), debilidade muscular (81%), incontinência do esfíncter (75%), espasmos musculares (66%), dores (61%), e tremores (35%).
Casos individuais relatados por pacientes após o uso de canábis são reveladores. Citando uma paciente que usou a canábis no tratamento da esclerose múltipla, “A tensão na bexiga e na coluna desapareceu, sinto-me menos rígida e com menos náuseas. Posso mover-me com a maior facilidade e fazer as minhas actividades com maior normalidade. Naquela noite, dormi profundamente, sem medicação alguma (…). A principal melhoria, encontrei-a no controlo da bexiga ”.

Numa pesquisa entre doentes com esclerose múltipla, a canábis melhorou a espasticidade durante o sono, aliviando as dores musculares (95%) e os espasmos nocturnos das pernas (92%), a depressão (90%). Entre 70 a 90% notaram diminuição da ansiedade, da espasticidade diurna, do formigueiro, do entorpecimento, da dor facial, da debilidade muscular e da perda de peso. Outros pacientes, em menos proporção, apresentaram uma certa melhoria no funcionamento intestinal e vesical, assim como nos transtornos visuais, no equilíbrio, na fala e na memória.

TRABALHO DE LABORATÓRIO

Com os dados acima expostos, era lógico que se procurasse a possível conexão entre a canábis (e sistema endocanabinóide) e a esclerose múltipla. Mediante trabalho de laboratório, constatou-se:

a) Uma melhoria sintomática dos animais de laboratório com esclerose múltipla quando tratados com THC. Dado que esta doença se manifesta exclusivamente no ser humano, os cientistas recorreram aos denominados “modelos animais”, utilizando cobaias às quais é artificialmente provocada um tipo de encefalite, denominada “alergia experimental”, caracterizada também pela destruição da mielina neuronal.

b) Uma maior presença de receptores, onde se exerce a acção dos canabinóides, nos centros neurológicos responsáveis pelos sintomas apresentados. Mediante técnicas de microscopia, comprovou-se que abundam nos núcleos controladores do tónus muscular e do movimento (gânglios da base e cerebelo), assim como nos prolongamentos de saída (zona/”pars” reticulada da substância negra e do globo pálido). Constataram-se, ainda, alterações morfológicas e funcionais dos receptores canabinóides das cobaias.

TRABALHO COM HUMANOS

Actualmente com escassas opções terapêuticas disponíveis, a esclerose múltipla entrou para a reduzida lista de doenças onde o tratamento à base da planta tem permitido desenvolver estudos clínicos em humanos. Os resultados são animadores: há estudos rigorosos que demonstram os benefícios obtidos nos tremores, nos espasmos musculares dolorosos, na frequência da micção nocturna/diurna e na sensação de bem-estar
.
Os estudos levados a cabo pela “GW Pharmaceuticals” com os seus patenteados sprays sublinguais, comprovam a eficácia do THC (tetrahidrocanabinol) e do CBD (canabidiol), ou de uma mistura de ambos. Um amplo estudo realizado em 37 hospitais do Reino Unido, em que participaram 600 pacientes com o objectivo de comparar o benefício terapêutico do THC isolado em óleo de extracto de canábis de administração oral, parece indicar que a mesma mistura de CBD com THC é mais eficaz do que este último, singularmente.

TRATAMENTO SINTOMÁTICO OU CURATIVO?

As pesquisas laboratoriais demonstram a relação entre os canabinóides e a esclerose múltipla. Os estudos duplamente cegos (em que nem o paciente nem o médico sabem qual a substância administrada, sendo a toma regulada por uma terceira entidade) comprovaram a melhoria sintomática dos pacientes. É de tal modo significativa esta relação que, actualmente, pondera-se a possibilidade de estarmos perante um possível tratamento curativo e não apenas sintomático. Esta hipótese é avalizada, pelo menos, em algumas experiências em laboratório com animais. As cobaias, após serem expostas a um tratamento prolongado com THC, não só demonstraram melhorias sintomáticas, como também foi verificada a regeneração da cobertura da mielina, cujo dano é a origem da doença. Também se tem avançado no conhecimento desta patologia, havendo maior informação sobre os fenómenos imunitários e os transtornos que dão lugar a estes problemas de auto-imunidade, algo profundamente desconhecido até há pouco tempo. Parece ser esta a causa última da doença, sendo possível a melhoria do quadro clínico do doente mediante um tratamento com canabinóides, pela regulação que estes compostos exercem sobre o equilíbrio imunológico alterado dos pacientes .

Comentários

  1. Ótimo, muito bom. Minha mãe tem esclerose multipla, acabei de ler pra ela e aposto que irá ajudá-la em seu tratamento. Obrigado.

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  2. Muito interessante.No entanto,ficaria melhor se as fontes de tais estudos fossem citadas.

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