Cannabis estimula o apetite

Existem dois efeitos  evidentes derivados do consumo de canábis: a sua psicoactividade e o estímulo do apetite. Inúmeros relatos de consumidores, recreativos e medicinais, comprovam que o consumo de canábis estimula o apetite – especialmente o apetite por alimentos doces. Os médicos comprovam, desde os primórdios do uso medicinal da planta, que ao mesmo tempo que era usada no controlo dos sintomas para que era prescrita, também fazia aumentar a ingestão de calorias por parte do paciente…

São encontradas numerosas referências ao uso de derivados de canábis como estimulante do apetite, em arcaicos herbários da antiga China, em tratados médicos da Índia, de Roma, da Grécia, e na cultura ancestral do Médio Oriente. Mas é o ano de 1842 que marca a introdução do emprego do cânhamo-da-índia nas prácticas terapêuticas ocidentais, graças aos esforços de W.B.O’Shaughnessey. Este jovem professor do Colégio Médico de Calcutá, então colónia britânica, observou o uso que os nativos faziam da planta. De volta à Europa, publicou os resultados, denotando a enorme capacidade da canábis no aumento do apetite. O seu discípulo, o Dr. R. M’Meens, descreveu a “notável capacidade da canábis para estimular o apetite”.

 Já em 1889, na ainda hoje influente revista médica “The Lancet”, Birch observava o uso da cnábis no tratamento da dependência de opiáceos, referindo, como efeito colateral, um notável incremento do apetite nos pacientes tratados. Em 1942, a também reconhecida revista “Jama”, num dos seus editoriais dedicados ao uso médico da canábis, reconhece a falta de apetite como uma das possíveis aplicações terapêuticas da planta.
Ainda que não se saiba, com exactidão, o mecanismo através do qual o consumo de canabinóides estimula o apetite, os únicos medicamentos comercializados até ao momento (o dronabinol – sob a designação comercial de “Marinol”, e a nabilona – denominada por “Cesamet”),  estão cientificamente reconhecidos como estimulantes do apetite em casos de SIDA e como detentores de propriedades anti-eméticas (contra o vómito) em quimioterapia.

CANÁBIS E OS ANTIRRETROVIRAIS

A indicação de um medicamento para uma determinada doença não exige que se conheça o mecanismo íntimo pelo qual se exerce essa acção terapêutica: apenas requer que exerça acção. Os estudos, levados a cabo pelo laboratório encarregue de patentear um medicamento, foram apresentados para aprovação às autoridades competentes (neste caso a FDA – “Food and Drug Administration”) e foram conclusivos: nos ensaios  clínicos realizados com THC em cápsulas, 70% dos pacientes com HIV/SIDA conseguiram um notável incremento de peso depois do tratamento.

Alguns autores, no entanto, defendem que os efeitos da canábis sobre o humor, a tornam preferível ao dronabinol, nos sintomas de desgaste da SIDA. Este ponto, constitui o núcleo de um projecto de investigação realizado pelo professor Donald Abrams da Universidade da Califórnia.

O motivo pelo qual se incluiu exclusivamente a indicação de orexígeno para a SIDA é produto de dois factores: por um lado, os pacientes com SIDA constituíam, na altura, um importante grupo de pressão nos EUA (principalmente na costa Oeste) forçando a realização, neles próprios, de estudos com essas novas substâncias; por outro lado, o alto índice de óbitos do síndroma de desgaste (ou inanição por perda de apetite) registado entre estes pacientes, foi mais uma grande fonte de pressão. A mortalidade provocada pelo vírus é controlada com o emprego de antirretrovirais – fármacos tão potentes que põem em risco a continuação do tratamento, por recusa do próprio doente. No “Relatório da Associação Médica Britânica”, refere-se: os pacientes com SIDA “temem mais os antirretrovirais que a própria doença que estes deveriam curar. Para alguns pacientes, os efeitos colaterais são tão insuportáveis que se negam a continuar o tratamento”.

REGULAÇÃO DA CONDUTA ALIMENTAR

Evidentemente, o consumo de canábis não é utilizado como estimulante do apetite apenas em casos de SIDA. Pode ocorrer em qualquer situação, incluindo em indivíduos sãos, sendo referenciado também em múltiplas doenças que se relacionam com a anorexia, assim como com a hepatite crónica, com o síndroma de desabituação de opiáceos, na fibrose cística, na caquexia relacionada com o cancro, em pacientes terminais e inclusivamente em grávidas sujeitas à hiperemesis gravidica. De facto, um tratamento com canabinóides poderia estar indicado para qualquer situação onde se apresente perda de apetite. Se bem que, ppor se tratar de uma sustância psicoactiva, existam sempre excepções: estará contra-indicada para casos com contornos psíquicos, já que o uso destas substâncias poderia agravar o problema.

Mas afinal, qual o mecanismo pelo qual o consumo de canabinóides estimula o apetite? Inicialmente, e dada a preferência por alimentos doces, pensou-se, erroneamente, que se tratava de uma resposta fisiológica a uma descida no nível de glicemia, ou açucar, no sangue. Hoje em dia, o avanço do conhecimento do sistema endocanabinóide e a sua implicação em distintas funções fisiológicas, torna possível lançar alguma luz sobre o tema. Sabemos que o sistema canabinóide endógeno (interno e natural do corpo humano) participa na regulação da conduta alimentar e do peso corporal, fazendo parte de uma complexa série de sinais nervosos estimuladores e inibidores, mediante a sua interacção com o sistema de sinalização nutricional hipotalâmico através da leptina (hormona que diminui os níveis dos endocanabinóides anadamida e 2-araquidonilglicerol, no hipotálamo).

Assim como tem um papel na regulação dos efeitos revitalizantes produzidos pela ingestão de alimentos. A evidência científica de que a canábis e os canabinóides estimulam o apetite, encontra-se nos ensaios realizados actualmente com o uso de antagonistas, substâncias sintéticas com efeitos contrários aos dos canabinóides, tendo em vista a supressão do apetite e o tratamento da obesidade

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