Sementes de cannabis são comida e Viagra para Passaros

A venda de 'cannabis' sativa está regulamentada. Portugal quer restabelecer a confiança na produção industrial da planta, mas não como droga.

As sementes de 'cannabis' são vendidas em lojas de animais enquanto comida para canários e como 'viagra' para a reprodução de pássaros. Uma experiência realizada pelo DIÁRIO comprovou que as sementes arredondadas que se vendem em 'cocktails' para canários, quando lançadas à terra, brotam uma planta de 'cannabis' que pode atingir 50 centímetros de altura.

Pode-se encontrar as chamadas 'misturas para canários' em qualquer expositor com artigos para animais. Entre os cereais, a maioria composta por alpista, há fartura de sementes de 'cannabis' sativa. Esta espécie de planta, da família das canabináceas, tem níveis baixos de 'cannabinoides' e uma relação baixa de THC-tetrahidrocanabinol (substância química responsável pelos efeitos alucinogénios).

Apesar de esta ser pouco usada como matéria-prima de drogas, há indivíduos que adquirem estas sementes para criar plantações ilegais de 'cannabis' (ver texto na coluna ao lado), com o fim de produzir e traficar 'erva' para fumar.

É verdade que a 'cannabis' sativa tem efeitos menos activos, mas os sintomas alucinogénios podem perdurar durante duas a três horas, se fumado, e 5 a 12 horas, se ingerido ou bebido. Suficiente para levar alguns jovens a cair na tentação e a desafiar a lei e os tribunais.

Uma das lojas contactadas pelo DIÁRIO vende-as avulso. Outra em sacos embalados pelo próprio estabelecimento. O preço é uma ninharia: um saco com 100 gramas pode custar 15 cêntimos. A maioria dos vendedores até desconhece que nas 'misturas para pássaros' haja 'cannabis'.
Nas lojas de animais com um leque de oferta mais vasta, pode-se encontrar sacos com sementes de cânhamo. Dizem os especialistas em reprodução de aves que esta substância, composta por fibras do caule da 'cannabis', é o 'viagra dos pássaros'.

Pode parecer estranho que sementes de uma planta ilegal estejam acessíveis a qualquer pessoa, mas a verdade é que esta é uma actividade regulamentada.

Segundo o decreto regulamentar n.º 23/99, do Ministério da Justiça, que estabelece 'regras relativas ao controlo do mercado lícito de estupefacientes, substâncias psicotrópicas, precursores e outros produtos químicos susceptíveis de utilização no fabrico da droga', 'o cultivo do cânhamo para fins industriais, bem como a comercialização de sementes de baixo teor de THC, são actividades lícitas, autorizadas e incentivadas nos termos de regulamentação comunitária'.

A UE reconhece que a cultura do cânhamo industrial ('cannabis' sativa L) tem tido um crescimento exponencial nos países industrializados, 'não sendo alheias a tal facto inegáveis vantagens ecológicas para além da sua elevada rentabilidade', lê-se no diploma, promulgado por Jorge Sampaio e publicado no 'site' da Polícia Judiciária.
Não obstante, assinala que é declaradamente proibido o cultivo de cânhamo para fins não industriais. Tal como comentou ao DIÁRIO um dos vendedores de artigos para animais, 'as sementes destinam-se aos animais e não às pessoas'. O difícil é comprovar que, efectivamente, as sementes de 'cannabis' adquiridas por cada pessoa destinam-se aos animais.

É, aliás, vincado no próprio decreto regulamentar que há 'questões carecidas de aperfeiçoamento' e que é preciso clarificar as regras de aplicação do regime no que se refere à cannabis sativa L, 'de modo a restabelecer a confiança em tal cultura que é de todo o interesse dinamizar, à semelhança do que se verifica em outros Estados-membros produtores'.

Venda de cânhamo surpreende IRAE

O director da Inspecção Regional das Actividades Económicas estranha que sementes de 'cannabis' estejam a ser vendidas ao público. Tem, inclusive, dúvidas quanto ao uso de cânhamo na alimentação animal. 'É a primeira vez que ouço falar numa situação destas, que é uma matéria sobre a qual nunca tivemos intervenção', referiu, após alerta do DIÁRIO.

Ontem, Valentim Caldeira estudava o caso e admitia vir a apreender as embalagens de cânhamo, como medida cautelar, caso viesse a concluir que a comercialização é ilícita.
O decreto regulamentar n.º 23/99 diz que a competência da fiscalização do comércio e venda de cânhamo é do Infarmed e 'sai da alçada da intervenção da IRAE'. Segundo o diploma, cabe ao Infarmed comunicar infracções e anomalias no mercado legal de estupefacientes ao Ministério Público ou à Polícia Judiciária. Não obstante, a IRAE promete só descansar depois de apurar se esta é uma actividade legal.
Após uma série de contactos com a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica e de um estudo mais aprofundado sobre a legislação vigente, a convicção de Valentim Caldeia era a de que 'em princípio a comercialização de cânhamo não está definida'.

PSP apreende plantas às dezenas

São, na maioria, jovens os detentores dos 'laboratórios' domésticos, onde se produzem 'cannabis', que têm sido apreendidos pela Polícia.
Em finais de Julho, a PSP deteve um jovem de 19 anos, por suspeitas de tráfico de estupefacientes. Em estufas dissimuladas entre a vegetação de Santa Cruz, o suspeito mantinha uma plantação com 95 pés de 'cannabis' em estado adulto e 4,17 gramas de sementes idênticas às que são vendidas nas lojas de animais, como suplemento alimentar para pássaros.
Em Agosto, a polícia descobriu outro foco de cultivo de 'cannabis', apreendeu 33 plantas e deteve um jovem de 27 anos, em Machico.

Clima madeirense é favorável

Recentemente, foi notícia que os Açores tinham dos melhores climas da Europa para a produção de 'cannabis', de acordo com uma classificação de sites holandeses especializados na matéria.
O clima húmido e o solo vulcânico eram apontados como garantia da boa qualidade da 'erva', razão que explicava, então, o aumento de plantações ilícitas existentes na região.
Na verdade, também a Madeira tem condições propícias ao desenvolvimento da 'cannabis'. Por cá 'dá lindamente, eu próprio já experimentei no Jardim Botânico, não como planta de droga mas enquanto planta ornamental', confessou Rui Vieira, engenheiro agrónomo e conhecedor da botânica regional.
'Temos condições óptimas', apontou, enumerando a temperatura amena e o ar húmido que habita a uma média altitude, entre os 300 e os 600 metros. 'É por isso que essas plantas hoje são mais vistas como plantas de droga, nocivas do que industriais'.

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