O interessante jogo proibicionista: quem é vítima?
Analisando o processo de usuários que são detidos por posse de drogas para consumo pessoal percebe-se a existência de uma “vítima” neste trâmite jurídico denominada Estado.
Se pensarmos bem, a criminalização da maconha por parte desta suposta vítima denota uma tentativa de manter um quadro de delinqüência no país, além de sustentar um mercado paralelo considerado pelo âmbito jurídico ilegal de tráfico de drogas. Pensando na perspectiva do atual modelo econômico vigente, o capitalismo, essa forma mercantil é totalmente permitida, uma vez que atende ao principal interesse das nações que é o acúmulo incessante de capital através das trocas de substâncias entorpecentes, seja ela a cocaína, o crack, o ecstasy, LSD, ou a maconha.
Esse jogo de trocas ilegais movimenta, segundo o Relatório Mundial sobre Drogas das Nações Unidas (2005), 13 bilhões de dólares, ao passo que no Brasil, em particular o estado do Rio de Janeiro, segundo o estudo da secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro "A Economia do Tráfico na Cidade do Rio de Janeiro: Uma Tentativa de Calcular o Valor do Negócio" (2008) estimou que o tráfico de drogas fatura entre 316 e 633 milhões de reais por ano.
A que ponto está querendo se chegar com estes dados? Que esta suposta vítima, o Estado brasileiro, lucra de forma incessante mantendo esta forma de transação comercial e, portanto, desinteressante do aspecto econômico a mudança legislativa em relação à legalização da maconha e, num âmbito maior, a descriminalização de outras drogas.
Para manter esta situação sob o controle das forças policialescas nacional, os aparelhos ideológicos fazem a sociedade crer que o aumento do contingente repressor legitimado pelo Estado é a saída mais eficaz no combate ao tráfico de drogas, assim como a criação de maiores centros de detenção para delinqüentes que hoje atinge o exorbitante número de 290 mil usuários detidos no Brasil, e nos EUA esse número chega a 1 milhão.
O exercício sociológico que é inexistente neste projeto de guerra ao tráfico é que o número de usuários não diminuiu, o poder paralelo do tráfico de drogas só acresceu, juntamente com o tráfico de armas que impera em zonas latentes em que se dá estas transações comerciais, marginalizando socialmente as comunidades periféricas dos centros urbanos e inserindo novos atores neste jogo: crianças e adolescentes que estão excluídos das escolas e seus responsáveis que são afetados pela desestruturação do mundo do trabalho, assim como continua existindo a extorsão policial como prática da política proibicionista. Isto pode ser muito bem visto em cidades como o Rio de Janeiro (Brasil), Medellín e Cali (Colômbia), e Tijuana (México) para se visualizar como exemplos desse conflito.
Para sustentar essa política proibicionista vigente no Brasil, e na maioria de tantos outros países, fora investido trilhões de dólares de maneira irresponsável, irracional e incompetente, uma vez que esta se encontra completamente falha e falida, podendo ser associado a um holocausto de proporções semelhante à Alemanha em tempos de guerra mundial. Isto porque inclui a execução de moradores de periferia, negros e pobres, além da suspensão de muros cercando favelas como espécie de “proteção” a sociedade de classe média, branca e da zona sul.
Esta política, tão ambígua em sua efetivação, demonstra duas faces: uma delas a política de redução de danos, que é adotada em países que tentam amenizar a repressão de drogas e aos usuários e, ao mesmo tempo, ainda sustenta um lei proibicionista que, apesar de diferenciar o usuário do traficante e abrandar as penas, continua com uma postura militarizada para tratar do assunto. Daí surge a questão de formação da polícia, assim como uma radical mudança valorativa da sociedade que trata o assunto de maneira conservadora, moralista e hipócrita.
Nesse quadro de proibição das drogas, mais especificamente da criminalização da maconha, aparece um nó compreensível que se destina a entender o porquê do Brasil não ter aprovado a lei de reforma agrária. Diante disto, vê-se na região nordeste o chamado “Polígono da Maconha”, situado no estado de Pernambuco, que concentra latifúndios para plantação de maconha explorando a mão-de-obra campesina a preços ínfimos, deixando os trabalhadores sem poder recorrer ao ministério do trabalho em casos de maus tratos e/ou qualquer outro tipo de abuso existente, assim como a tentativa de destruir plantações de coca na Bolívia que é uma planta inserida dentro do contexto cultural da sociedade indígena como forma de aliviar fome e agüentar a altitude de determinadas cidades (não confundir a coca planta, com o processo químico que esta planta é submetida para a produção de cocaína).
Esta proibição que ocorre há 77 anos no Brasil deixa claro quem é vítima e quem é ator da agressão. Um Estado que executa, chacina, latrocina, estupra e prende não merece ser chamado de vítima, não merece ser chamado de protetor dos cidadãos brasileiros que querem fazer uso do seu próprio corpo, que mantém nos marcos legais do capitalismo uma prática imoral e imunda, subjugando toda uma sociedade a grupos de traficantes armados apontando fuzis na cabeça de uma suposta liberdade que nos é “gentilmente” concedida através da omissão do poder público frente a esta questão.
Portanto, aqueles que dizem que a marcha da maconha é um prática apologética e que reforça o poder do tráfico e do traficante, não é verdadeiro. Marcha da Maconha é uma irracionalidade estar acontecendo no sentido de que é igualmente irracional o Estado brasileiro manter a maconha proibida neste país, impedido pesquisas para o seu uso medicinal, não permitindo seu uso recreativo, legitimando o lucro abusivo da indústria farmacêutica, têxtil e do tráfico.
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