Legaliza o cultivo de cannabis para consumo pessoal e cria o enquadramento legal para os clubes sociais de canábis
23 de Abril de 2013
Exposição de motivos
O Relatório Mundial da Droga de 2011, publicado pela Organização das Nações Unidas, confirma o que os relatórios anteriores já anunciavam: a estratégia proibicionista da “guerra às drogas” revelou-se um fracasso gigantesco, com o aumento das apreensões a não significar um recuo do consumo das substâncias ilegalizadas.
Paralelamente, este mercado ilegal de drogas nunca como hoje movimentou tanto dinheiro, em montantes bilionários que circulam por mecanismos de branqueamento de capitais e alimentam a corrupção na política e na justiça de muitos países.
O proibicionismo liderado pelos Estados Unidos trouxe a guerra civil para muito perto das fronteiras do país que implantou a lei seca e a proibição do consumo de drogas. No lado mexicano da fronteira, os cartéis fazem a lei e executam milhares de pessoas com total impunidade, numa competição violenta pelo negócio mais lucrativo do planeta.
No conjunto das substâncias ilegais, a canábis destaca-se não apenas pela antiguidade do seu uso, mas também por ser a droga ilegal mais consumida no planeta, calculando a ONU que 203 milhões de pessoas a terão consumido no ano passado.
Passados cinquenta anos desde o arranque da Convenção das Nações Unidas sobre Drogas, e quarenta anos após o presidente Nixon ter declarado a guerra do governo dos Estados Unidos à droga, a conclusão não podia ser mais clara: nem a criminalização nem a enorme despesa destinada pelos Estados às medidas repressivas conseguiram travar o aumento da produção ou do consumo de drogas. As prisões encheram-se de condenados por tráfico ou consumo e muitos milhares de vidas foram destruídas, mas o poder das organizações criminosas nunca foi tão forte como hoje.
É por isso que um grupo de personalidades resolveu apelar às Nações Unidas para que opere uma transformação do regime global de proibição das drogas. Entre elas estão antigos chefes de Estado como Fernando Henrique Cardoso, César Gavíria, Ernesto Zedillo e o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan, que formaram uma Comissão Global sobre Política de Drogas e apresentaram várias recomendações, como a de “encorajar as experiências dos Governos com modelos de regulação legal das drogas para enfraquecer o poder do crime organizado e salvaguardar a saúde e a segurança dos seus cidadãos”.
O resultado nos referendos nos estados norte-americanos de Washington e do Colorado, que aprovaram a legalização da canábis para uso recreativo, mostra que nos próprios EUA cresce a consciência de que o proibicionismo falhou.
A lei portuguesa
Há dez anos, a aprovação da descriminalização do consumo de drogas em Portugal veio acabar com o tabu e provar que as alternativas à repressão funcionam. Hoje o caso português é estudado e apontado internacionalmente como um exemplo de sucesso duma abordagem tolerante que coloca a saúde pública acima do preconceito ideológico.
Dez anos depois, podemos comprovar como eram desprovidos de razão os argumentos esgrimidos no parlamento português por parte de várias bancadas, que alertavam para a explosão do consumo de drogas assim que deixasse de ser crime o seu uso pessoal. Pelo contrário, a descriminalização evitou que os consumidores acabassem na prisão e libertou meios para o combate ao tráfico.
Mas a descriminalização por si só não responde ao problema principal, uma vez que não deixa nenhuma alternativa ao consumidor que não seja a aquisição da canábis no mercado ilegal. Ou seja, se um consumidor optar por plantar um pé de canábis para seu consumo em casa ou no quintal – e assim evita alimentar o tráfico – é, à face da lei em vigor, um criminoso. Há aqui uma contradição evidente entre a proteção do consumidor e a proibição do chamado “autocultivo”, que não prejudica terceiros e até contribui para o combate ao tráfico ilegal.
Esta perseguição que se continua a fazer ao cidadão que consome ou cultiva a planta de canábis para seu uso pessoal é incompreensível. Não sendo uma substância inócua, o seu consumo não está diretamente associado a efeitos despersonalizantes e acarreta iguais ou menores riscos para a saúde pública do que outras substâncias legais, como o álcool ou o tabaco. Ter uma abordagem centrada na saúde pública quanto ao seu consumo, implica afastar os consumidores do circuito clandestino, da marginalidade e das práticas de risco, nomeadamente quanto a substâncias adulteradas e ao contacto com traficantes que vendem todo o tipo de drogas; adotar uma estratégia de prevenção centrada na facilitação de informação que permita decisões autónomas e escolhas informadas; adotar medidas de regulação da oferta, em especial o controlo de preços (pela aplicação de impostos), o controlo da qualidade do produto e o controlo da promoção e publicidade comercial.
Nos últimos anos, o surgimento de lojas comerciais – as chamadas “smartshops” – em várias cidades portuguesas colocaram ao dispor da população uma série de substâncias psicotrópicas sintetizadas quimicamente para contornarem os constrangimentos legais. Na prática, qualquer cidadão pode adquirir essas novas substâncias, cujos efeitos a prazo para a saúde são desconhecidos. Mas a lei impede-o de plantar em sua casa um pé de canábis, uma planta usada há milhares de anos e que provavelmente será a mais estudada em todo o mundo.
Auto cultivo e Clubes Sociais de Canábis
O cultivo de canábis para uso pessoal não é perseguido pelas leis e convenções internacionais em vigor, pelo que se têm desenvolvido experiências bem-sucedidas em Espanha, Bélgica e Suíça do modelo do auto cultivo e dos clubes sociais de canábis para combater o tráfico. No Uruguai o Governo prepara um modelo de legalização da canábis que também prevê a criação de clubes sociais.
Trata-se de um modelo que se distingue dos coffee-shops holandeses porque exclui o comércio da canábis, através da criação de clubes de consumidores, com regras exigentes que excluem menores de idade e definem a quantidade a que cada sócio tem direito a partir da plantação em coletivo para o seu próprio consumo. Estes clubes são associações sem fins lucrativos, que asseguram o controlo da qualidade do cultivo e são responsáveis pelo seu transporte e distribuição aos associados.
O modelo dos clubes sociais não põe em causa o respeito pelas Convenções Internacionais que proíbem o comércio, importação e exportação da canábis. E permite ainda dar acesso legal à canábis aos doentes que dela necessitam para o uso terapêutico, em vez de serem atirados para o contacto com o tráfico.
Ao contrário do modelo holandês dos coffee-shops, o modelo dos clubes sociais de canábis permite certificar a origem da canábis produzida e garantir que ela não é importada pelas redes de narcotráfico. Por outro lado, retira a componente comercial e a procura do lucro por parte de quem disponibiliza a canábis ao consumidor, que terá de ser associado do clube social e comprometer-se com o consumo responsável.
Dez anos depois da descriminalização, Portugal deve voltar a dar o exemplo ao mundo com uma política tolerante e responsável de combate à toxicodependência, que contribua para retirar mercado aos traficantes e acabar com a perseguição anacrónica aos consumidores de canábis.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projeto de lei:
Projeto de Lei em Anexo
ANEXO!!!
Fonte : BE
Exposição de motivos
O Relatório Mundial da Droga de 2011, publicado pela Organização das Nações Unidas, confirma o que os relatórios anteriores já anunciavam: a estratégia proibicionista da “guerra às drogas” revelou-se um fracasso gigantesco, com o aumento das apreensões a não significar um recuo do consumo das substâncias ilegalizadas.
Paralelamente, este mercado ilegal de drogas nunca como hoje movimentou tanto dinheiro, em montantes bilionários que circulam por mecanismos de branqueamento de capitais e alimentam a corrupção na política e na justiça de muitos países.
O proibicionismo liderado pelos Estados Unidos trouxe a guerra civil para muito perto das fronteiras do país que implantou a lei seca e a proibição do consumo de drogas. No lado mexicano da fronteira, os cartéis fazem a lei e executam milhares de pessoas com total impunidade, numa competição violenta pelo negócio mais lucrativo do planeta.
No conjunto das substâncias ilegais, a canábis destaca-se não apenas pela antiguidade do seu uso, mas também por ser a droga ilegal mais consumida no planeta, calculando a ONU que 203 milhões de pessoas a terão consumido no ano passado.
Passados cinquenta anos desde o arranque da Convenção das Nações Unidas sobre Drogas, e quarenta anos após o presidente Nixon ter declarado a guerra do governo dos Estados Unidos à droga, a conclusão não podia ser mais clara: nem a criminalização nem a enorme despesa destinada pelos Estados às medidas repressivas conseguiram travar o aumento da produção ou do consumo de drogas. As prisões encheram-se de condenados por tráfico ou consumo e muitos milhares de vidas foram destruídas, mas o poder das organizações criminosas nunca foi tão forte como hoje.
É por isso que um grupo de personalidades resolveu apelar às Nações Unidas para que opere uma transformação do regime global de proibição das drogas. Entre elas estão antigos chefes de Estado como Fernando Henrique Cardoso, César Gavíria, Ernesto Zedillo e o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan, que formaram uma Comissão Global sobre Política de Drogas e apresentaram várias recomendações, como a de “encorajar as experiências dos Governos com modelos de regulação legal das drogas para enfraquecer o poder do crime organizado e salvaguardar a saúde e a segurança dos seus cidadãos”.
O resultado nos referendos nos estados norte-americanos de Washington e do Colorado, que aprovaram a legalização da canábis para uso recreativo, mostra que nos próprios EUA cresce a consciência de que o proibicionismo falhou.
A lei portuguesa
Há dez anos, a aprovação da descriminalização do consumo de drogas em Portugal veio acabar com o tabu e provar que as alternativas à repressão funcionam. Hoje o caso português é estudado e apontado internacionalmente como um exemplo de sucesso duma abordagem tolerante que coloca a saúde pública acima do preconceito ideológico.
Dez anos depois, podemos comprovar como eram desprovidos de razão os argumentos esgrimidos no parlamento português por parte de várias bancadas, que alertavam para a explosão do consumo de drogas assim que deixasse de ser crime o seu uso pessoal. Pelo contrário, a descriminalização evitou que os consumidores acabassem na prisão e libertou meios para o combate ao tráfico.
Mas a descriminalização por si só não responde ao problema principal, uma vez que não deixa nenhuma alternativa ao consumidor que não seja a aquisição da canábis no mercado ilegal. Ou seja, se um consumidor optar por plantar um pé de canábis para seu consumo em casa ou no quintal – e assim evita alimentar o tráfico – é, à face da lei em vigor, um criminoso. Há aqui uma contradição evidente entre a proteção do consumidor e a proibição do chamado “autocultivo”, que não prejudica terceiros e até contribui para o combate ao tráfico ilegal.
Esta perseguição que se continua a fazer ao cidadão que consome ou cultiva a planta de canábis para seu uso pessoal é incompreensível. Não sendo uma substância inócua, o seu consumo não está diretamente associado a efeitos despersonalizantes e acarreta iguais ou menores riscos para a saúde pública do que outras substâncias legais, como o álcool ou o tabaco. Ter uma abordagem centrada na saúde pública quanto ao seu consumo, implica afastar os consumidores do circuito clandestino, da marginalidade e das práticas de risco, nomeadamente quanto a substâncias adulteradas e ao contacto com traficantes que vendem todo o tipo de drogas; adotar uma estratégia de prevenção centrada na facilitação de informação que permita decisões autónomas e escolhas informadas; adotar medidas de regulação da oferta, em especial o controlo de preços (pela aplicação de impostos), o controlo da qualidade do produto e o controlo da promoção e publicidade comercial.
Nos últimos anos, o surgimento de lojas comerciais – as chamadas “smartshops” – em várias cidades portuguesas colocaram ao dispor da população uma série de substâncias psicotrópicas sintetizadas quimicamente para contornarem os constrangimentos legais. Na prática, qualquer cidadão pode adquirir essas novas substâncias, cujos efeitos a prazo para a saúde são desconhecidos. Mas a lei impede-o de plantar em sua casa um pé de canábis, uma planta usada há milhares de anos e que provavelmente será a mais estudada em todo o mundo.
Auto cultivo e Clubes Sociais de Canábis
O cultivo de canábis para uso pessoal não é perseguido pelas leis e convenções internacionais em vigor, pelo que se têm desenvolvido experiências bem-sucedidas em Espanha, Bélgica e Suíça do modelo do auto cultivo e dos clubes sociais de canábis para combater o tráfico. No Uruguai o Governo prepara um modelo de legalização da canábis que também prevê a criação de clubes sociais.
Trata-se de um modelo que se distingue dos coffee-shops holandeses porque exclui o comércio da canábis, através da criação de clubes de consumidores, com regras exigentes que excluem menores de idade e definem a quantidade a que cada sócio tem direito a partir da plantação em coletivo para o seu próprio consumo. Estes clubes são associações sem fins lucrativos, que asseguram o controlo da qualidade do cultivo e são responsáveis pelo seu transporte e distribuição aos associados.
O modelo dos clubes sociais não põe em causa o respeito pelas Convenções Internacionais que proíbem o comércio, importação e exportação da canábis. E permite ainda dar acesso legal à canábis aos doentes que dela necessitam para o uso terapêutico, em vez de serem atirados para o contacto com o tráfico.
Ao contrário do modelo holandês dos coffee-shops, o modelo dos clubes sociais de canábis permite certificar a origem da canábis produzida e garantir que ela não é importada pelas redes de narcotráfico. Por outro lado, retira a componente comercial e a procura do lucro por parte de quem disponibiliza a canábis ao consumidor, que terá de ser associado do clube social e comprometer-se com o consumo responsável.
Dez anos depois da descriminalização, Portugal deve voltar a dar o exemplo ao mundo com uma política tolerante e responsável de combate à toxicodependência, que contribua para retirar mercado aos traficantes e acabar com a perseguição anacrónica aos consumidores de canábis.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projeto de lei:
Projeto de Lei em Anexo
ANEXO!!!
Fonte : BE
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