Há cada vez mais consumidores de cannabis em tratamento
João Goulão, o presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) e presidente do Observatório Europeu da Droga e Toxicodependência (OEDT) explica ao Destak os principais resultados do Relatório Europeu, ontem apresentado na AR. O consumo da cannabis na Europa atingiu um pico histórico e tem-se revelado muito menos "inofensivo" do que durante décadas se acreditou. Em Portugal, a seguir ao álcool, é a droga mais usada.
Isabel Stilwell | editorial@destak.pt
A crise poderá ter efeito no consumo de drogas?
O relatório recentemente apresentado pelo Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência faz um alerta para o facto de uma crise económica e social, com o aumento do desemprego, com dificuldades acrescidas para as famílias, poder ser um factor que conduz as pessoas a recorrem mais às substâncias psicoactivas. Na nossa realidade, temo sobretudo o abuso do álcool, que entre nós conta com uma enorme complacência social e fácil acesso. A tentação do lucro fácil também pode crescer, o que se pode reflectir num aumento do tráfico.
E em termos de prevenção e tratamento? O Governo já anunciou cortes no IDT?
Existe o risco dos governos desinvestirem no trabalho de prevenção e tratamento que tem vindo a ser feito, nas respostas ao nível da redução de riscos e minimização de danos, nas repostas ao nível da reinserção social. Do que conheço, diria que em Portugal temos das respostas mais sólidas a nível mundial, com 1600 a 1800 profissionais só nos serviços públicos, e um investimento anual de cerca de 75 milhões de euros... Mesmo com os cortes deste ano, que são da ordem dos 4%, acho que não nos podemos queixar.
Já há resultados avaliados?
Os indicadores que temos, em particular nos últimos 10 anos (período mais bem estudado e que tem a ver com as decisões políticas importantes que ocorreram em Portugal nomeadamente a descriminalização dos consumos), revelam uma evolução positiva. Com uma diminuição da prevalência do consumo de todas as substâncias ilícitas entre os mais jovens (dos 15 aos 19 anos), e com um número recorde de pessoas em tratamento. Para além de uma diminuição do peso relativo dos toxicodependentes para os números globais da SIDA.
Isso significa uma diminuição do consumo, ou que as consequências das substâncias que se consomem já não incomodam tanto a sociedade (a ressaca da heroína levava a roubar para consumir, por exemplo)?
Aquilo que posso dizer com alguma segurança é que os consumos problemáticos estão a diminuir e que há um uso mais utilitário, mais ligado a contextos festivos. Utilizar drogas com o objectivo de obter um determinado efeito, num determinado contexto, mas sem características de dependência, com menor nocividade para o próprio, embora o risco de dependência esteja sempre presente. O impacto para a comunidade diminui significativamente.
É aquilo a que o relatório chama de policonsumos?
Exactamente. A mesma pessoa, dependendo do objectivo, usa esta ou aquela substância. Sabem exactamente o que tomar e com que fim, mas há pessoas que o fazem duas vezes por ano, num festival tomam tudo e mais alguma coisa, e o resto do ano não tomam nada.
Daí o relatório afirmar que o trabalho de prevenção passa mais por modificar estilos de vida, do que propriamente pelo enfoque nesta ou naquela substância?
Sim, porque a dependência depende mais da relação que o indivíduo estabelece com a substância do que com a substância em si, embora haja algumas mais adictivas do que outras. Mas sobretudo o que queremos é que as pessoas consigam viver, produzir, divertir-se, enfim estar bem consigo próprias e com os outros, sem terem necessidade de recorrer a uma substância. Em vez de termos um discurso muito centrado na substância A, B ou C, importa é promover um estilo de vida mais autónomo e saudável.
Em relação à cannabis, o relatório define este momento como um “pico histórico” de consumo ( 23 milhões consumiram no último ano) e diz que aumentou a compreensão das consequências do seu consumo prolongado. Aliás, indica o número crescente de procura de tratamento, como sinal desse facto.
Apesar de tudo a cannabis teve um relativo decréscimo no grupo dos 15 aos 19 anos, o que é bom, mas os números indicam que 12% da população portuguesa, 1 milhão e 200 mil pessoas, experimentaram pelo menos um charro durante a sua vida, e vamos tendo cada vez mais pessoas com histórias de consumo de cannabis arrastadas, que aos 40, 50 anos ainda consomem.
E quanto ao tratamento?
Em Portugal, dos cerca de 38 mil em tratamento, 10% são consumidores de cannabis (na Europa a média é já de 22%).
Um dos factores preocupantes é o aumento da “potência” dos produtos da cannabis, não é?
As análises à cannabis apreendida indicam que tem aumentado o teor de THC, o que torna ainda mais descabida a ideia de que se trata de uma droga “leve”.
A descriminalização do consumo de drogas em Portugal faz dez anos. Tenho a ideia de que muita gente acredita que foi despenalizada ou seja que a cannabis se não é legal, é quase...
No ano passado fizemos um estudo de percepção, que demonstra, de facto, que há franjas significativas da população que revelam um desconhecimento sobre o quadro legal existente.
Julgo que não passa pela cabeça de nenhum jovem português que um polícia o prenda por o ver a fumar um charro. Será que as autoridades também estão confusas?
Não. Em cada ano que passa temos à volta de 6.500 a mil a 7 mil pessoas que são interceptadas no acto de consumir um charro, ou de consumir outra substância qualquer e que são conduzidas às Comissões para a Dissuasão da Toxicodependência.
Quer explicar o que são?
As Comissões de Dissuasão, vinte no país inteiro, são como uma segunda linha de intervenção preventiva. A prevenção pretende actuar antes que as coisas aconteçam, mas se acontecem, há um momento em que, tal como faz um árbitro, é mostrado um cartão amarelo, ou seja é dito: “Pensa lá na tua vida, vê lá o percurso que estás a tomar, sabes o que é isso que consomes e onde te pode conduzir?”
Como é que se vai parar à Comissão?
Vamos imaginar que a polícia intercepta um jovem a fumar um charro, pega nele, leva-o à esquadra e apreende a droga que tiver consigo. Se possuir mais do que a quantidade para o consumo regular durante 10 dias (há uma tabela que define o limite para cada substância), é mandado para tribunal e instaurado um processo judicial. Porque aí há a presunção de que poderá ser um traficante. Se tiver uma quantidade inferior é convocado para se apresentar na comissão da sua área de residência, no período de 72 horas.
E quando lá chega?
É avaliado por uma equipa técnica que avalia a história do consumo, a história pessoal, social, familiar. Essa informação é transmitida aos três elementos da Comissão, tipicamente, um jurista, um psicólogo e um técnico de serviço social. São eles que aplicam as sanções. Mas sem registo criminal. Se já for um toxicodependente, é convidado para um centro de resposta de tratamento.
E é obrigado a aceitar?
Pode não aceitar, mas aceitando o processo é em princípio suspenso durante 6 meses e vai havendo feedback sobre a adesão. Se não aceitar ou se nesses seis meses voltar a aparecer à comissão por ter sido novamente apanhado a consumir, pode incorrer em várias penalidades, que no caso de toxicodependentes nunca são multas pecuniárias, mas antes proibição de frequentar um local específico, trabalho comunitário, ser privado de benefícios sociais, etc. Se não voltar a aparecer durante esse período não acontece mais nada.
Como é que os jovens reagem?
No decurso da conversa da equipa técnica com os jovens, muitos deles tomam, pela primeira vez, consciência de que aqueles consumos não são tão inócuos assim, e desistem deles ou procuram tratamento.
Sabe-se alguma concreta sobre o perfil do consumidor de cannabis?
Sabemos que há 6.5 homens para cada mulher. Mas em termos de perfil, não me vou por a inventar, não há um perfil único. Temos é que assumir que cada sociedade tem a sua droga e a nossa é tradicionalmente o álcool, mas que há 40 anos que também é a cannabis.
A tendência para a dependência é uma característica de personalidade?
Temos é a certeza que só fica dependente quem consome, portanto é um bom princípio dizer “Não consuma”. E sabemos que quanto mais precoce o início do consumo maior a probabilidade de dependência.
Quais são os riscos do seu consumo?
Alguns são óbvios e comuns ao uso do tabaco. Fuma-se com tabaco, fazendo inalações mais profundas, travando o fumo durante mais tempo, com filtros que não diminuem a temperatura do fumo como o filtro dos cigarros, aumentado por isso o risco de cancro do pulmão, de enfisemas, de bronquites. Existe ainda o tão falado Síndrome Amotivacional, de desinteresse por tudo que não sejam os consumos, que se instala nas pessoas com o uso regulares de cannabis, e há uma associação estatística entre o uso de cannabis e doenças mentais graves, nomeadamente as psicoses e esquizofrenia. Não se pode dizer “fumar provoca doenças mentais” mas, há cinco vezes mais psicóticos e esquizofrénicos entre os utilizadores de cannabis do que na população em geral. Há quem defenda que a pessoa usa cannabis para aliviar um sofrimento psíquico pré-existente, há quem diga que é o gatilho...
Começando a fumar cada vez mais cedo, o síndroma amotivacional aparece numa altura em que estão...
... a estudar, a tomar decisões sobre a sua vida. É complicado. As Comissões de Dissuasão são interessantes também por isso. Não estamos a falar de tratamentos compulsivos, mas de um sinal de autoridade, de desaprovação social, e de uma avaliação a tempo, que permite agir quando se detectam uma série de problemáticas juvenis (famílias disfuncionais, baixa auto-estima, insucesso escolar), que vão agravar o risco de toxicodependência daquele jovem.
E os pais? O que devem fazer perante um filho/a consumidor?
Em quase todas as nossas equipas de tratamento há atendimento familiar. A linha Vida 14 14, está disponível todos os dias, com técnicos que orientam sobre como actuar, e sobre os serviços a que podem recorrer.
Alertar os adolescentes para os perigos é eficaz?
A percepção que temos é claramente de que a prevenção terrorista não funciona. Tem de ser mais pela positiva, pelas alternativas, pela prática de desporto e actividades lúdicas que não passem pelo uso de substâncias.
Tratar a dependência da cannabis passa por que tipo de tratamento?
Geralmente pela psicoterapia, mas pode haver a necessidade de utilizar psicofármacos, embora não haja nenhum específico. Se o consumidor tiver manifestações de patologia mental, trata-se como se trata essa patologia mental.
E se quiser tratamento, começo por onde?
Temos uma rede com 63 unidades espalhadas pelo país, e o primeiro passo é dirigir-se a um desses centros.
Ainda existe relutância por parte destes consumidores de ir a um espaço onde se tratam heroinómanos, porque não se consideram iguais a eles?
Hoje já não. O estereótipo do “junky”, do arrumador, da pessoa muito marginalizada e desorganizada é uma percentagem cada vez menor dos utentes dos nossos centros. Temos os centros de respostas integradas (um em cada capital de Distrito, vários em Lisboa e no Porto), onde existe uma equipa de prevenção, uma de redução de danos, uma de reinserção social e uma ou várias equipas de tratamento. Há 63 equipas de tratamento.
Qual é a taxa de sucesso dos tratamentos desta e de outras drogas?
Depende do que é considerado sucesso. As dependências são doenças crónicas recidivantes, em que antecipamos a ocorrência de recaídas. O que pretendemos é que haja períodos livre tão longos quanto possíveis – às vezes tão longos que nunca mais há uma recaída - e que nesses períodos tenham uma vida social, pessoal, familiar e laboral tão próxima quanto possível do normal, seja isso o que for. E o que é facto é que entre os doentes que temos em acompanhamento, cerca de 40 % estão a trabalhar ou a estudar, ou seja, independentemente dos acidentes durante o seu percurso terapêutico, conseguem manter a sua compatibilidade com a “norma”.
Isabel Stilwell | editorial@destak.pt
A crise poderá ter efeito no consumo de drogas?
O relatório recentemente apresentado pelo Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência faz um alerta para o facto de uma crise económica e social, com o aumento do desemprego, com dificuldades acrescidas para as famílias, poder ser um factor que conduz as pessoas a recorrem mais às substâncias psicoactivas. Na nossa realidade, temo sobretudo o abuso do álcool, que entre nós conta com uma enorme complacência social e fácil acesso. A tentação do lucro fácil também pode crescer, o que se pode reflectir num aumento do tráfico.
E em termos de prevenção e tratamento? O Governo já anunciou cortes no IDT?
Existe o risco dos governos desinvestirem no trabalho de prevenção e tratamento que tem vindo a ser feito, nas respostas ao nível da redução de riscos e minimização de danos, nas repostas ao nível da reinserção social. Do que conheço, diria que em Portugal temos das respostas mais sólidas a nível mundial, com 1600 a 1800 profissionais só nos serviços públicos, e um investimento anual de cerca de 75 milhões de euros... Mesmo com os cortes deste ano, que são da ordem dos 4%, acho que não nos podemos queixar.
Já há resultados avaliados?
Os indicadores que temos, em particular nos últimos 10 anos (período mais bem estudado e que tem a ver com as decisões políticas importantes que ocorreram em Portugal nomeadamente a descriminalização dos consumos), revelam uma evolução positiva. Com uma diminuição da prevalência do consumo de todas as substâncias ilícitas entre os mais jovens (dos 15 aos 19 anos), e com um número recorde de pessoas em tratamento. Para além de uma diminuição do peso relativo dos toxicodependentes para os números globais da SIDA.
Isso significa uma diminuição do consumo, ou que as consequências das substâncias que se consomem já não incomodam tanto a sociedade (a ressaca da heroína levava a roubar para consumir, por exemplo)?
Aquilo que posso dizer com alguma segurança é que os consumos problemáticos estão a diminuir e que há um uso mais utilitário, mais ligado a contextos festivos. Utilizar drogas com o objectivo de obter um determinado efeito, num determinado contexto, mas sem características de dependência, com menor nocividade para o próprio, embora o risco de dependência esteja sempre presente. O impacto para a comunidade diminui significativamente.
É aquilo a que o relatório chama de policonsumos?
Exactamente. A mesma pessoa, dependendo do objectivo, usa esta ou aquela substância. Sabem exactamente o que tomar e com que fim, mas há pessoas que o fazem duas vezes por ano, num festival tomam tudo e mais alguma coisa, e o resto do ano não tomam nada.
Daí o relatório afirmar que o trabalho de prevenção passa mais por modificar estilos de vida, do que propriamente pelo enfoque nesta ou naquela substância?
Sim, porque a dependência depende mais da relação que o indivíduo estabelece com a substância do que com a substância em si, embora haja algumas mais adictivas do que outras. Mas sobretudo o que queremos é que as pessoas consigam viver, produzir, divertir-se, enfim estar bem consigo próprias e com os outros, sem terem necessidade de recorrer a uma substância. Em vez de termos um discurso muito centrado na substância A, B ou C, importa é promover um estilo de vida mais autónomo e saudável.
Em relação à cannabis, o relatório define este momento como um “pico histórico” de consumo ( 23 milhões consumiram no último ano) e diz que aumentou a compreensão das consequências do seu consumo prolongado. Aliás, indica o número crescente de procura de tratamento, como sinal desse facto.
Apesar de tudo a cannabis teve um relativo decréscimo no grupo dos 15 aos 19 anos, o que é bom, mas os números indicam que 12% da população portuguesa, 1 milhão e 200 mil pessoas, experimentaram pelo menos um charro durante a sua vida, e vamos tendo cada vez mais pessoas com histórias de consumo de cannabis arrastadas, que aos 40, 50 anos ainda consomem.
E quanto ao tratamento?
Em Portugal, dos cerca de 38 mil em tratamento, 10% são consumidores de cannabis (na Europa a média é já de 22%).
Um dos factores preocupantes é o aumento da “potência” dos produtos da cannabis, não é?
As análises à cannabis apreendida indicam que tem aumentado o teor de THC, o que torna ainda mais descabida a ideia de que se trata de uma droga “leve”.
A descriminalização do consumo de drogas em Portugal faz dez anos. Tenho a ideia de que muita gente acredita que foi despenalizada ou seja que a cannabis se não é legal, é quase...
No ano passado fizemos um estudo de percepção, que demonstra, de facto, que há franjas significativas da população que revelam um desconhecimento sobre o quadro legal existente.
Julgo que não passa pela cabeça de nenhum jovem português que um polícia o prenda por o ver a fumar um charro. Será que as autoridades também estão confusas?
Não. Em cada ano que passa temos à volta de 6.500 a mil a 7 mil pessoas que são interceptadas no acto de consumir um charro, ou de consumir outra substância qualquer e que são conduzidas às Comissões para a Dissuasão da Toxicodependência.
Quer explicar o que são?
As Comissões de Dissuasão, vinte no país inteiro, são como uma segunda linha de intervenção preventiva. A prevenção pretende actuar antes que as coisas aconteçam, mas se acontecem, há um momento em que, tal como faz um árbitro, é mostrado um cartão amarelo, ou seja é dito: “Pensa lá na tua vida, vê lá o percurso que estás a tomar, sabes o que é isso que consomes e onde te pode conduzir?”
Como é que se vai parar à Comissão?
Vamos imaginar que a polícia intercepta um jovem a fumar um charro, pega nele, leva-o à esquadra e apreende a droga que tiver consigo. Se possuir mais do que a quantidade para o consumo regular durante 10 dias (há uma tabela que define o limite para cada substância), é mandado para tribunal e instaurado um processo judicial. Porque aí há a presunção de que poderá ser um traficante. Se tiver uma quantidade inferior é convocado para se apresentar na comissão da sua área de residência, no período de 72 horas.
E quando lá chega?
É avaliado por uma equipa técnica que avalia a história do consumo, a história pessoal, social, familiar. Essa informação é transmitida aos três elementos da Comissão, tipicamente, um jurista, um psicólogo e um técnico de serviço social. São eles que aplicam as sanções. Mas sem registo criminal. Se já for um toxicodependente, é convidado para um centro de resposta de tratamento.
E é obrigado a aceitar?
Pode não aceitar, mas aceitando o processo é em princípio suspenso durante 6 meses e vai havendo feedback sobre a adesão. Se não aceitar ou se nesses seis meses voltar a aparecer à comissão por ter sido novamente apanhado a consumir, pode incorrer em várias penalidades, que no caso de toxicodependentes nunca são multas pecuniárias, mas antes proibição de frequentar um local específico, trabalho comunitário, ser privado de benefícios sociais, etc. Se não voltar a aparecer durante esse período não acontece mais nada.
Como é que os jovens reagem?
No decurso da conversa da equipa técnica com os jovens, muitos deles tomam, pela primeira vez, consciência de que aqueles consumos não são tão inócuos assim, e desistem deles ou procuram tratamento.
Sabe-se alguma concreta sobre o perfil do consumidor de cannabis?
Sabemos que há 6.5 homens para cada mulher. Mas em termos de perfil, não me vou por a inventar, não há um perfil único. Temos é que assumir que cada sociedade tem a sua droga e a nossa é tradicionalmente o álcool, mas que há 40 anos que também é a cannabis.
A tendência para a dependência é uma característica de personalidade?
Temos é a certeza que só fica dependente quem consome, portanto é um bom princípio dizer “Não consuma”. E sabemos que quanto mais precoce o início do consumo maior a probabilidade de dependência.
Quais são os riscos do seu consumo?
Alguns são óbvios e comuns ao uso do tabaco. Fuma-se com tabaco, fazendo inalações mais profundas, travando o fumo durante mais tempo, com filtros que não diminuem a temperatura do fumo como o filtro dos cigarros, aumentado por isso o risco de cancro do pulmão, de enfisemas, de bronquites. Existe ainda o tão falado Síndrome Amotivacional, de desinteresse por tudo que não sejam os consumos, que se instala nas pessoas com o uso regulares de cannabis, e há uma associação estatística entre o uso de cannabis e doenças mentais graves, nomeadamente as psicoses e esquizofrenia. Não se pode dizer “fumar provoca doenças mentais” mas, há cinco vezes mais psicóticos e esquizofrénicos entre os utilizadores de cannabis do que na população em geral. Há quem defenda que a pessoa usa cannabis para aliviar um sofrimento psíquico pré-existente, há quem diga que é o gatilho...
Começando a fumar cada vez mais cedo, o síndroma amotivacional aparece numa altura em que estão...
... a estudar, a tomar decisões sobre a sua vida. É complicado. As Comissões de Dissuasão são interessantes também por isso. Não estamos a falar de tratamentos compulsivos, mas de um sinal de autoridade, de desaprovação social, e de uma avaliação a tempo, que permite agir quando se detectam uma série de problemáticas juvenis (famílias disfuncionais, baixa auto-estima, insucesso escolar), que vão agravar o risco de toxicodependência daquele jovem.
E os pais? O que devem fazer perante um filho/a consumidor?
Em quase todas as nossas equipas de tratamento há atendimento familiar. A linha Vida 14 14, está disponível todos os dias, com técnicos que orientam sobre como actuar, e sobre os serviços a que podem recorrer.
Alertar os adolescentes para os perigos é eficaz?
A percepção que temos é claramente de que a prevenção terrorista não funciona. Tem de ser mais pela positiva, pelas alternativas, pela prática de desporto e actividades lúdicas que não passem pelo uso de substâncias.
Tratar a dependência da cannabis passa por que tipo de tratamento?
Geralmente pela psicoterapia, mas pode haver a necessidade de utilizar psicofármacos, embora não haja nenhum específico. Se o consumidor tiver manifestações de patologia mental, trata-se como se trata essa patologia mental.
E se quiser tratamento, começo por onde?
Temos uma rede com 63 unidades espalhadas pelo país, e o primeiro passo é dirigir-se a um desses centros.
Ainda existe relutância por parte destes consumidores de ir a um espaço onde se tratam heroinómanos, porque não se consideram iguais a eles?
Hoje já não. O estereótipo do “junky”, do arrumador, da pessoa muito marginalizada e desorganizada é uma percentagem cada vez menor dos utentes dos nossos centros. Temos os centros de respostas integradas (um em cada capital de Distrito, vários em Lisboa e no Porto), onde existe uma equipa de prevenção, uma de redução de danos, uma de reinserção social e uma ou várias equipas de tratamento. Há 63 equipas de tratamento.
Qual é a taxa de sucesso dos tratamentos desta e de outras drogas?
Depende do que é considerado sucesso. As dependências são doenças crónicas recidivantes, em que antecipamos a ocorrência de recaídas. O que pretendemos é que haja períodos livre tão longos quanto possíveis – às vezes tão longos que nunca mais há uma recaída - e que nesses períodos tenham uma vida social, pessoal, familiar e laboral tão próxima quanto possível do normal, seja isso o que for. E o que é facto é que entre os doentes que temos em acompanhamento, cerca de 40 % estão a trabalhar ou a estudar, ou seja, independentemente dos acidentes durante o seu percurso terapêutico, conseguem manter a sua compatibilidade com a “norma”.
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